5 de novembro de 2010

Kosovo

Finalmente consegui visitar o Kosovo. Amigos de uma organização de Novi Sad convidaram-me na sua visita de estudo ao Kosovo.

Não querendo entrar na história do Kosovo neste momento, para isso podem ler algo na net ou wikipedia, gostaria apenas de mostrar as minhas impressões sobre a estadia no Kosovo.

As cidades visitadas foram Pristina e Prizren.

Pristina é a capita do Kosovo. A palavra para descrever Pristina é Caos. Pristina é uma cidade relativamente recente que sofreu um boom populacional nos últimos anos, duplicando a população nos últimos 10 anos. Devido à não existência de regulamentos, a cidade de Pristina é uma confusão de ruas e ruelas, edifícios construídos ao calhas. De momento Pristina é caracterizada também pelo pó e pela lama pois tudo está em obras, qualquer rua está a ser alcatroada ou renovada, o transito tornou-se caótico. A sua população é basicamente albanesa, cerca de 98%. Mas a situação geral é calma e não houve problema nenhuma em falar sérvio ou inglês nas ruas.

A próxima visita foi Prizren. Prizren é uma cidade completamente diferente. Prizren é uma cidade histórica e com história, com arquitectura e com um ambiente próprio. Prizren é uma cidade totalmente multicultural com um terço de população sérvia-bósnia, um terço albanesa e um terço turca. É fácil ver as três línguas escritas em qualquer esquina, em qualquer toldo. Facilmente se ouve as três línguas e as pessoas falam na língua em que se está mais confortável. A população acima dos 25 anos, ou seja, que viveu durante a Jugoslávia e Sérvia, sabem sérvio pois era ensinado na escola. Facilmente se entra numa loja e se pode dizer "Boa tarde" em Sérvio que as pessoas respondem. Uma criança aprende uma destas línguas como segunda língua na escola primária também, para além de aprender com os amigos na rua. Outro exemplo da multiculturalidade de Prizren é o facto de ver Mesquitas, igrejas católicas e ortodoxas lado a lado.

Durante a nossa visita visitamos Dusan Grad, um complexo histórico que serviu de fortaleza e mais tarde de mosteiro e que contém o tumulo do imperador Dusan da Sérvia. Este local foi atacado durante as manifestações de 2004 no Kosovo, e que de momento é protegido pela KFOR alemã. Se a actual necessidade de protecção é questionável, na altura existiam forças da KFOR que nada puderam fazer, foi construído basicamente um pequeno forte onde umas duas dezenas de tropas estão ali estacionadas a fazer...nenhum. Quem nos abriu o portão era um miúdo com uns 18-19 anos com uma arma do tamanho dele e dentro das tendas via-se o resto das tropas a jogar matraquilhos ou na internet.

Um outro ponto de visita foi a sede da EULEX, the rule of law from Europeon Union. A missão das Nações Unidas, UNMIK,  foi praticamente substituida pela missão da UE, a EULEX, que tenciona facilitar e ajudar o processo de implementação de um sistema judicial e policial no Kosovo, fornecendo juizes e forças policiais e combatendo o crime organizado e corrupção. Após a chegada foi-me apresentado o chefe de protocolo da EULEX que é português (não consegui encontrar o nome dele no site da EULEX) e tivemos uma interessante conversa com algumas autoridades da EULEX.

A posição da EULEX não é fácil pois o sistema judicial é caótico e, embora não seja o pretendido, a EULEX tomou controlo de várias instituições judiciais em vários locais no Kosovo. O objectivo da EULEX é facilitar e ajudar as autoridades locais mas caso estas não consigam controlar a situação a EULEX toma controlo por si própria. Esta posição é algo polémica por ambos os lados do conflito, até internamente da EULEX. Entretanto a EULEX tem de usar as best-practices da UE quando mesmo dentro da UE a situação e independência do Kosovo não é unânime. Posto isto tudo a EULEX não é uma organização politica e não tem nada a ver com o reconhecimento do Kosovo pela Sérvia e comunidade internacional embora a sua actuação facilite este processo pois facilita o funcionamento do Kosovo como um pais independente.

Para acabar, a história dos carimbos no passaporte! Como o Kosovo não é reconhecido pela Sérvia, a fronteira no lado da Sérvia não é uma fronteira, é uma zona administrativa. Se fosse chamada fronteira seria o reconhecimento de que se estaria a passar para um país estrangeiro! Sempre me foi dito que caso fosse ao Kosovo não deveria obter um carimbo Kosovar no passaporte pois poderia obter problemas ao voltar à Sérvia, e caso acontecesse deveria entrar e sair pelo mesmo local.

Devido a um mal entendido na fronteira kosovar, os passaportes foram carimbados. Sinceramente já me habituei a ter a "arrogância" de que nada poderá acontecer a um cidadão com passaporte da UE! Durante a visita à EULEX foi levantado o alarme de que poderia haver alguns problemas a voltar na fronteira Sérvia e que deveria usar o BI pois já era possível entrar na Sérvia com BI da UE à alguns meses. E assim foi.

Ao voltar, na fronteira Kosovar foi carimbado o carimbo de saída (normal) e na fronteira Sérvia a situação foi exposta e os agentes lá até se riram pois o problema já não se colocava e o carimbo era apenas ignorado. E assim entrei na Sérvia com o meu BI e com dois carimbos do Kosovo no passaporte.

Passado umas semanas viajei para a Hungria apresentei o passaporte na fronteira Sérvia, como habitualmente, e com curiosidade do que iria acontecer. O agente, ao folhear as páginas, pára na página com os carimbos do Kosovo, arregala os olhos, pega no telefone e diz "Daj mi anulator!", que é como quem diz "Traz-me o anulador". Passado uns segundos um outro agente aparece com um carimbo, dá o carimbo ao primeiro agente e este, traz traz, carimba-me o passaporte. Quando o recebo vou a ver e tenho dois carimbos, um por cima de cada carimbo do Kosovo, que dizem "Anuller". Que é como quem diz, os carimbos do Kosovo foram...anulados!

Ora não vou entrar em discussões sobre a autoridade que um estado tem para anular um carimbo de outro estado, ou mesmo o que é anular um carimbo! Só sei que tenho dois carimbos do Kosovo anulados o que aposto que será algo bastante raro num passaporte português!

Economia e educação

Deparei-me com duas excelentes palestras presentes na RSA (Royal Society for the encouragement of Arts, Manufactures and Commerce).

 A primeira, por David Harvey, fala-nos da crise económica e das suas razões, sejam económicas ou culturais.

Esta palestra tenta explicar o porquê da crise e as suas consequências culturais. Também explica a razão corrente do capitalismo.

Como se sabe, o capitalismo necessita duma circulação de dinheiro continua e de um aumento de consumo continuo. Logo as pessoas necessitam de um continuo aumento de dinheiro disponível para o poder gastar. Como indicado isto foi efectuado não por um aumento continuo de salários mas sim por um acesso fácil ao crédito e exploração de factores culturais.

Quando a bolha rebenta, porque não pode durar para sempre, quem tem dinheiro faz mais dinheiro e quem não tem dinheiro fica sem o pouco que tem. Porque? Porque não existe um sistema de educação acerca de economia/finanças. Em nenhuma parte do percurso escolar é ensinado como funciona e economia do mundo ou de um país. O que leva a pessoas adultas totalmente ignorantes acerca de algo tão simples mas importante como económica/finanças familiares. Tal como não há informação acerca dos perigos e vantagens dos vários produtos financeiros existentes. Daí não ser surpreendente que grande percentagem das famílias está endividada e sem poupanças. Não é ensinado o que se deve fazer com dinheiro.

Tal como não é surpreendente os ricos ficarem mais ricos em momentos de crise, pois é possível fazer dinheiro com mercados a subir tal como a descer! Principalmente a descer em que o investimento é altamente alavancado. Sabendo isto não é surpreendente que as crises sejam cíclicas e volta e meia tenha de acontecer uma.


A segunda, por Sir Ken Robinson, acerca do paradigma actual da educação.

Esta palestra fala na estandardização da educação que foi pensada na altura da revolução industrial. De momento a educação básica em vez de estimular as crianças e ensina-las a pensar, ou melhor, ensina-las a não perder a criatividade e ingenuidade cerebral (imaginação) que tão bem caracteriza uma criança, não, ensina-a a seguir o livro, a procurar uma solução e a obter uma formula que explique tudo e a não fazer perguntas.

Na minha opinião a morte das escolas profissionais e a existência de cursos e profissões não altamente qualificadas gerou a situação de que um jovem tira um curso e no fim não sabe fazer nada. O ensino primário deve ser altamente diversificado e com uma abordagem de educação não-formal, onde a criança deve aprender a ter pensamento critico, socializar e trabalhar em equipa, filtrar e analisar informação tal como a pesquisar e saber questionar, praticar a sua capacidade artística e musical e desenvolver certos capacidades matemáticas e intelectuais. Por exemplo não é aprender a tabuada através de decorar e repetição mas sim perceber o mecanismo inerente à tabuada e a como conseguir chegar a qualquer resultado analisando as suas parcelas.

No ensino secundário o jovem deverá ter uma percepção das suas capacidades e estilo de trabalho e também qual será o seu talento. Quando digo por talento o que o jovem tem prazer em fazer e naquilo que é bom, o que geralmente está relacionado. Com esses dados o jovem deverá ter acesso às suas futuras escolhas e lentamente a ser redireccionado para a sua vocação futura. Entretanto deverá ter acesso a educação como pessoa e cidadão, ter educação económica, financeira e politica. Se é permitido a um jovem votar com 18 anos, com 18 anos o jovem deverá ter capacidade para entender o sistema politico e formular o seu voto de forma independente e de acordo com aquilo que acredita.

Ao escolher um curso na universidade o jovem terá acesso a um curso altamente especifico e especializado onde o choque não será tão grande e facilmente efectuará tarefas por si mesmo com pensamento critico e criatividade. Hoje em dia é ensinado a pensar na universidade (quando é) e escrever um texto, efectuar uma pesquisa ou uma tarefa por si própria é um horror para qualquer caloiro.

Só assim uma pessoa pode estar preparada para o mercado de trabalho, seja quando sai do secundário ou do ensino superior. De momento um jovem que acabe o 12º não é nada, não tem capacidade nenhuma ou especificação para nada. E muitos dos cursos superiores são apenas uma continuação do ensino secundário.

Isto é a minha visão utópica. Quando digo que uma pessoa deve ser altamente qualificada e especializada não digo que só deverá saber fazer uma única coisa. Digo que deverá saber fazer uma coisa extremamente bem de modo a tornar-se um valor acrescentado e porque, de momento, é assim que o mercado trabalha. Se tiveres algo extra para oferecer és valorizado, se não vais fazer trabalho macaco. No entanto o sistema de ensino mata esta especificidade mas ao mesmo tempo não permite a uma criança/jovem desenvolver os seus possiveis talentos. A educação musical já não existe, para não falar de artes. Filosofia e psicologia devem estar quase (retórica por exemplo) e desporto idem idem. A forma como matemática é ensinada é um crime e história é ensinada by the book e de forma totalmente fechada.

Por outro lado o problema não é só no sistema educacional mas também no trabalho dos pais. Existe uma cada vez maior desresponsabilização do poder parental mas por outro lado os pais têm cada vez menos tempo livre para os filhos. A família está a ser dividida e isolada, para não falar das comunidades.

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